terça-feira, 31 de julho de 2012

Kuito


Kuito é a capital da província de Bié, no sul. A cidade que tanto quis conhecer esconde na vivacidade de seus moradores um dos passados mais tenebrosos da história de Angola. O centro é bonito; as pessoas usam roupas coloridas. Homens andam de mãos dadas sem preconceito algum.

Eu esperava ver uma cidadela em ruínas, mas ela está sendo reconstruída. Em um ou outro edifício ainda é possível ver as marcas das balas. Mas os que têm estas marcas na grande maioria estão sendo restaurados. A guerra foi cruel aqui. Naquela época não se poupava nada, muitas coisas foram destruídas inclusive a grande catedral, que esta em fase de reconstrução.

Há flores plantadas em grandes jardins. Alguém que desconheça a história, jamais irá desconfiar que centenas de pessoas foram enterradas nestes mesmos canteiros. Difícil acreditar, mas está nos livros.

Bem, come-se muito bem em Kuito. Folhas de batata doce, de mandioca e de chuchu bem preparados são uma delícia.

A casa em que estou tem marcas de tiros na parte de trás, a fachada foi totalmente concertada. Ela também não tem os “taquinhos” do assoalho, pois na época da guerra, como não tinha onde buscar lenha, os moradores faziam fogo com as madeiras disponíveis. Conta se que nas casas que tinham paredes mais resistentes se empilhavam dezenas de famílias. A única regra era a sobrevivência.
marcas na parede: a esperança floresce

Hoje há uma diferença grande entre o número de homens e mulheres. Elas são a grande maioria, pois durante os conflitos morreram muitos soldados.

Aqui as gentes falam Umbundo, e os costumes locais são mais preservados do que em Luanda.

A terra é fértil, porém esconde muitas minas. É preciso tomar cuidado.

A Sede do Governo impressiona e o esquema de segurança também. Em todos os lados que se olhe há alguém em um posto de guarda. Fotos, por enquanto, só do jardim de casa. Quem sabe aos poucos e passando as eleições que acontecem no fim do mês de agosto, poderei ficar tranquila para disparar meus flashs.

Tem alguns lugares que prentendo conhecer antes de voltar pra Luanda. Um deles é o lar dos idosos, que creio ser uma biblioteca viva. Espero ter oportunidade de ir para ouvir as histórias dessa gente que presenciou momentos históricos tão importantes.

Também quero visitar o lar onde ficam meninos que se perderam durante a guerra. São pretensões. Basta saber se terei tempo e permissão.

segunda-feira, 30 de julho de 2012

Vai com Deus, madre


no caminho de Kuito (Angola)

Na sexta-feira às 4 horas da madrugada embarquei num auto carro (como chamam os ônibus aqui)  com destino a Kuito, a capital da província do Bié. Quando entrei a primeira coisa que percebi era a falta de conforto do veículo. Também reparei que eu era a única estrangeira. Comecei a observar a paisagem, belíssima; estava clareando o dia, o sono relutava em ir embora, mas eu fazia um grande esforço para não perder nada lá fora. Sentei-me entre várias pessoas, o que dificultou minha vida para fotografar, mas tentei fazer algumas imagens. Só para listar alguns inconvenientes: ônibus lotado, crianças chorando, cheiro de comida, cheiro de perfume; milhares de outros cheiros. Eu quieta, atenta à paisagem. 

no ônibus um tormento, lá fora a beleza africana
Eis que de repente sobem na lotação mais  quatro pessoas, uma mamãe com um bebê nas costas, uma moça e dois homens. Os passageiros começaram a reclamar que eles não poderiam ir em pé. Aqui quem reclama é quem vai sentado e não quem está em pé. No primeiro posto de fiscalização  uma pessoa desceu e registrou a reclamação. Os que haviam entrado por último, e estavam em pé, tiveram de descer; aí começou nosso martírio.

O motorista que anteriormente estava andando muito rápido começou a andar a mais ou menos 30 por hora. Isso durou uns 40 minutos. As pessoas começaram a ficaram impacientes, então um moço levantou e propôs que todo mundo desse 100 kwanzas ao motorista. A maioria berrou: “ele tem que fazer o trabalho dele! Não vou dar nada!” Eu quieta, era a única “turista”. Alguns corajosos passageiros foram falar com ele, que então parou o carro e disse que estava só cumprindo o que os fiscais determinaram. Mais gritaria; mais reclamações. A essa altura do campeonato eu já nem me lembrava da paisagem lá fora... Era bebe chorando, pessoas comendo, pessoas discutindo. E eu ali, só observando. O motorista falou que iria acelerar porque os passageiros não tinham culpa, mas deixou claro que não estava contente com a situação.
Bem, foi um rápido alívio. Logo o infeliz começou andar a 200 por hora, acho. Como ninguém mais reclamou, ele foi diminuindo a velocidade até chegar no aceitável. Penso que queria mesmo era chamar a atenção.

Chegando ao destino e percebendo que eu estava apavorada o motorista me pediu desculpas e disse que ele não estava certo mas as moças que haviam reclamado também tinham agido errado. Não falei nada. Ele disse: vai com Deus, madre. Tudo bem, pensei.

quinta-feira, 26 de julho de 2012

Os angolanos e as perguntas


Crianças: como em todo lugar, na Angola também são bem curiosas
Sempre soube que eu seria alguém diferente aqui em Luanda. Caucasiana, com traços bem italianos, com certeza sou alguém que se destaca onde chega. Bem, como sou muito comunicativa, as pessoas se sentem livres para me fazer algumas perguntas bem interessantes. Resolvi falar sobre estes diálogos com vocês. 

A primeira coisa que me perguntam quando entro em alguma loja ou mesmo quando visito escolas é se sou Madre (freira). Toda mulher branca que anda de saia e frequenta a casa das irmãs é para eles uma Madre. Nem adianta explicar que você não é.

Até aí tudo bem. Uma pergunta que me surpreendeu: seu cabelo é de verdade? Aqui a maioria das mulheres usa cabelos artificiais. As crianças ficam encantadas com o meu cabelo, muitas querem tocar, outras são um pouco mais ousadas e puxam mesmo! Esses penteados lindos que vemos são elas mesmas que fazem e trançam, porém o cabelo quase sempre é comprado.

Agora uma pergunta absurda: você é chinesa? Há muitos chineses em Angola. A maioria dos homens trabalha na construção civil e as mulheres são vendedoras ambulantes.

Questionam porque não tenho filhos. Não entra na cabeça deles que é comum para nós não termos filhos, se assim escolhermos. Para a maioria, mulher precisa ter filhos e muitos, não apenas um. E chamam comumente as pessoas de pai, mãe ou mamás; não de senhor e senhora como nós brasileiros chamamos.

Algumas perguntas sobre o Brasil me intrigam bastante, as ouço quase todos os dias: o Brasil é assim mesmo tão violento, como mostram na TV Record? Todo mundo no Brasil joga futebol?

Não tenho respostas para todas as perguntas. Muito pelo contrário, estou tão cheia de indagações quanto eles. Vou pesquisando, perguntando e tentando responder o que eu sei ou o que acho que sei.

quarta-feira, 25 de julho de 2012

Mulheres Zungueiras


mulheres zungueiras

Hoje resolvi falar para vocês sobre as mulheres angolanas. Com suas vestes coloridas e seus panos, que significam muito mais do que um simples pedaço de tecido, pois os usam como toalhas, como bolsas, para se vestir, para cobrir os filhos, carregá-los etc., elas são um espetáculo à parte

Senhoras de todas as idades e feições caminham pelas ruas e praças, com bacias, balaios, sextos, sacolas cheias de mercadorias. Levam pão, peixes, frutas, legumes, sanduiches, bebidas, livros etc. Envolto nos tecidos coloridos tem de tudo um pouco. Parecem verdadeiras equilibristas a caminhar, superando os desafios da gravidade, levando um utensílio cheio de mercadoria no alto da cabeça, um filho nas coisas e às vezes outro no braço; às vezes tudo isso e outro filho na barriga.

Sem contar as que ficam sentadas nas praças. Ali esticam o pano, uma do lado da outra e passam o dia inteiro vendendo de tudo: sapatos, roupas, utensílios, frutas, verduras, carnes, ovos, mercadorias novas, velhas, mais ou menos , usadas e por ai afora.

Essas são as Mulheres Zungueiras, que no Brasil chamamos simplesmente de vendedoras ambulantes. Batalhadoras, guerreiras, com as mãos calejadas, as costas arcadas e na sua maioria com vários “pares de filhos”, como dizem por aqui. Além da vida dura, de acordar cedo, atravessar a cidade com cargas enormes na cabeça e o filho caçula amarrado ás costas elas precisam fugir constantemente. Largar tudo e correr! Não há uma relação amigável entre elas e a fiscalização. É o que contam. Dizem que há cenas que ninguém deveria presenciar, mas quando se presencia não há o que fazer, o melhor é calar. E eu prefiro não questionar, não agora.

Mas de onde surgem tantas Zungueiras? Elas vêm de várias províncias. Vieram em tempos de guerra em busca de segurança na capital, pois aqui era um dos lugares considerados mais seguros. Tiveram que aprender a se virar e trabalham de sol a sol em busca de seus sonhos, de uma vida mais justa.

Depois de um dia exausto, essas guerreiras ainda vão para as aulas de alfabetização, para buscar um pouco de conhecimento. E assim, sentem-se valorizadas e vislumbram no caminho uma luz de dignidade. O que não encontram no dia a dia nas ruas, e muitas nem em suas próprias casas. Aquelas que não podem estudar à noite acordam de madrugada, vão para a aula bem cedo e depois  partem para suas andanças. E lá se vai mais uma, duas, três Zungueiras batalhar pelo pão de cada dia.

A palavra zungueira vem de zunga, que é originária da língua Kimbundo e quer dizer andarilha, andante.

Lembro-me que no primeiro dia em Luanda acordei com esse grito: “êeeee”. Intrigada com isso pensei: que canto mais estranho! Não sabia o que era, não compreendia as palavras. Saí cambaleando da cama, ainda sonolenta e corri até a janela. Eis que vi várias mulheres levando na cabeça bacias cheias de peixes. Depois descobri que o que elas berravam era é “Carapauêee”. Estavam vendendo peixes frescos, que em uma das línguas locais quer dizer Carapau. O Êee é só um complemento, um vício de linguagem para efetuar as vendas.

Já não tenho mais idade para me transformar em angolana, nem Zungueira tradicional. A exemplo dessas mulheres guerreiras, quiçá eu me torne uma Zungueira de ideias; dessas ambulantes que levam esperança e conhecimento a todos que tiverem interesse.

terça-feira, 24 de julho de 2012

Angolistas e angolanos


Alfabetização de mulheres na região metropolitana de Luanda
É engraçado, mas eu pensava que iria encontrar muitas galinhas cantando “to fraco, to fraco” aqui em Angola. Por incrível que pareça não vi nenhuma até o momento. Talvez seja porque eu estou em Luanda, um grande centro urbano. Também pode ser que elas nem existam por aqui ou possuam nomes diferentes.

Estou escrevendo e rindo sozinha, por que hoje mesmo uma amiga de São Paulo me perguntou se tinha muitas “angolistas” aqui. E mais: ela me indagou se Angola tinha esse nome por causa das galinhas!

Então resolvi pesquisar, confesso que fiquei curiosa. Como o conhecimento nunca é demais fui buscar uma resposta razoavelmente coerente para dar à minha querida amiga. Bem, descobri que o nome desse país cheio de contrastes e belezas nada tem a ver com galinhas.

O nome derivou-se da palavra Ngola, cujo significado era príncipes que governavam o reino de Ndongo. Este reino era formado pela tribo Ambundu, que com o passar do tempo se fragmentou em vários outros reinos. E a partir da chegada dos portugueses, os pequenos governos existentes foram aos poucos se espalhando por um grande território. A toda essa área chamaram Angola.

Angola é uma nação jovem, com inúmeras razões para estar aos poucos sendo reconstruída e reestruturada. Faz apenas 37 anos que tornou-se independente de Portugal.

Quem acompanhou um pouco da história angolana, lembrará, mesmo que vagamente, a importância dada à Conferencia de Berlin, e posteriormente ao acordo de Alvor. Objetivava-se tornar Angola um país independente e democrático. Infelizmente isso não aconteceu de imediato; foi o início da guerra civil.

Na época em que foi assinado o acordo de Arvor, havia três movimentos que lutavam pela independência do país. O tão esperado sonho da liberdade tornou-se o pior pesadelo deste povo.  Foi considerada a guerra civil mais sangrenta e devastadora da história, arrasando o país inteiro. Fato este, que ainda hoje se reflete no dia a dia das pessoas daqui. 

Faz dez anos que Angola vive sem conflitos internos, mas há muitas marcas da guerra. Marcas nos semblantes, nas atitudes, na realidade, no desenvolvimento, na estrutura e notoriamente no contexto social. Marcas que aos poucos, lentamente, vão sendo esquecidas, superadas e modificadas.

Para quem, como eu, não vivenciou isso, é difícil entender o que é uma guerra. Mas para quem ouviu o barulho das bombas, sentiu de perto os estilhaços das balas, é difícil esquecer os traumas que ela deixou. 

Encontrei muitas pessoas que vivenciaram a guerra e as histórias são diversas. Parece-me que há unanimidade num único sentimento: tudo, menos a guerra!

Os angolanos são um povo colorido, cheio de musicalidade, embevecido em sua religiosidade milenar. Uma gente que tem sede de conhecimento, que busca com seus olhos negros vislumbrar um mundo melhor.

Em minhas primeiras pesquisas procurei galinhas que cantam “to fraco, to fraco” e estou conhecendo um povo que, em poucas palavras, me diz: “to forte, to forte”.

segunda-feira, 23 de julho de 2012

Da África, com amor



Luanda, julho de 2012
Estou a milhares de quilômetros de casa, a saudade bate e o coração às vezes fica apertado. A realidade aqui em é muito diferente daquela que estava acostumada a viver no dia a dia.

Não reclamo, faz parte de meus esforços; sempre sonhei em estar no continente africano. Angola é grande, eu estou em Luanda, na capital. Está fazendo um mês que cheguei, ainda tem muitas coisas que não compreendo, não sei se um dia compreenderei.

Os primeiros dias foram os mais difíceis. A adaptação é um pouco dolorida, o corpo doí, a mente  questiona, e os olhos não acreditam em tudo o que se vê.  Embora o idioma seja o mesmo, é preciso acostumar os ouvidos e entender os costumes.

Comecei a escrever assim que cheguei, mas nem sempre tenho acesso à internet, à luz e à água. Já rediji muitas linhas, mas aos poucos vou editá-las. Nem tudo o que escrevi quando cheguei  ainda é verdade. As coisas mudam e a minha percepção também mudou.

 O povo é lindo, as vestes muito variadas e os costumes são milenares e inacreditáveis. Para uma brasileira que não tinha conhecimento algum sobre as culturas africanas, é realmente algo impressionante.

Neste primeiro mês posso afirmar que já vi muito mais do que vi em toda a minha vida, levando em conta todas as questões culturais e históricas do contexto em que estou inserida.  Há o ditado que diz: uma imagem vale mais que mil palavras. E é isso mesmo. Espero, humildemente, conseguir traduzir em palavras os acontecimentos que presenciei e ainda vou viver aqui. 

Aos poucos, bem devagar, vou conhecendo Angola. Resignação ou não, sei que não conseguirei compreender tudo, mas o que importa é que essa experiência irá mudar a minha vida, para melhor. 

Quando me faltarem palavras usarei as imagens captadas pela minha câmera fotográfica. Com grande prazer compartilharei minha vida aqui na África com todos vocês.

Acreditem, receber um retorno de vocês será muito importante para mim.

Com carinho,

Julcimery Schreiber
Jornalista | Missionária

domingo, 22 de julho de 2012

Angola que eu aprendi a amar


As pessoas me perguntam como vim parar aqui em Luanda. Pois bem, sou jornalista, nasci no interior de Santa Catarina e sempre estive envolvida com projetos sociais. Há três anos conheci o trabalho das Irmãs Catequistas Franciscanas, da Província de Santa Clara, em Laurentino, SC. Tenho duas tias que dedicaram a vida toda na missão católica, ambas naturais de Taió, também no interior de SC. As duas sempre me convidaram para conhecer seus trabalhos sociais; penso que me influenciaram mais pelo exemplo de vida do que por quererem. 

Após participar de seminários de políticas públicas e encontros da igreja, tive interesse de saber mais sobre a missão na África e de que forma poderia contribuir efetivamente. Pouco a pouco foram surgindo propostas para ser missionária leiga.

Um missionário leigo é alguém que se identifica com o carisma dessa congregação, sabe da necessidade do povo e sente vontade de colaborar e de permanecer um tempo partilhando dessa caminhada, sem ser propriamente um religioso (padre, freira etc). Humildemente reconheço que tenho estas características, por isso aceitei de bom coração embarcar nesta jornada.

Sou funcionária pública e licenciei-me por dois anos. Escolhi vir, mesmo com as inúmeras propostas que tenho recebido para atuar com jornalismo, visto que me formei a pouco tempo. Precisava vir para a África; sou assim, é meu coração quem manda em mim. Tenho alma cigana, não sei se quero voltar, verei isso com o tempo.

Como jornalista também encaro minha profissão como uma missão. Sei que com meu conhecimento poderei levar boas novas a muita gente. Um jornalista é um profissional treinado para ver o mundo com outros olhos, analisar a sociedade e as micro-sociedades que a completam. É exatamente com este olhar crítico, benévolo e interessado que estou aqui em Luanda. Quero, com esta experiência, me tornar uma repórter melhor, aprimorar meu poder de observação e poder transmitir o conhecimento aqui adquirido para o maior número de pessoas.


A missão

Compartilhei minha aspiração às missões na África com Zenir, uma jovem natural de Angelina, SC, que vivia em Florianópolis. Ela é pedagoga; atuava em uma editora. Ao longo da trajetória de três anos de preparação nos apoiamos mutuamente; queríamos e sabíamos que unidas alcançaríamos nosso objetivo. Ela está em Moçambique agora.

Durante a preparação tivemos contato com muitas freiras e conhecemos seu comprometimento. Além dos encontros anuais de Simpatizantes (como são chamados os interessados em missão), ficamos dois meses fazendo cursos, estágios e visitas, para só então partir para África - eu tive alguns contratempos com relação ao visto e acabei viajando depois de Zenir.

Por fim, o apoio da família também foi muito importante; sem esse alicerce não abdicaríamos de tantas coisas para nos doarmos ao próximo do outro lado do mundo.


Luanda como destino

Parti de Santa Catarina no dia 24 de junho com lágrimas nos olhos e aperto no coração, mas confiante em Deus. Minha primeira parada foi no Rio de Janeiro para obter o visto na embaixada de Angola no Brasil.

Uma longa fila na embaixada; dali até a partida foram horas. Ali já começaram minhas dificuldades: idiomas diferentes, muita gente, algumas pessoas vestidas como se fossem para uma festa- depois entendi que a maioria voltava da Rio+20 e Cúpula dos Povos – mas ali mesmo já fui interagindo com os africanos, tendo meus primeiros contatos com suas culturas e modo de ser.

Foi uma viagem longa, mas muito agradável. Cheguei em Luanda no dia 25, às 7 horas da manhã. Fui carinhosamente recebida pelas irmãs Neiva, Armine, Carmelita e Enedir que estavam a minha espera no aeroporto.

A chegada na cidade

Eu integro o projeto Missão Além Fronteiras, juntamente com outros voluntários de várias nacionalidades.  Moro no bairro Rangel, na capital.

Tive alguns impactos já na chegada em Luanda. Na saída do aeroporto um guarda queria um cafezinho de 50 reais para liberar minha mala. Claro que ele não ganhou, mesmo porque eu nem tinha mais reais. Depois descobri que a propina aqui é normal. Fiquei indignada num primeiro momento, mas depois fui entendendo que o que eu tenho como correto nem sempre é o correto daqui.

Aqui tudo é muito diferente do Brasil. Nas primeiras semanas o clima era estranho, o corpo reclamava do fuso horário. Ficava com sono e com fome fora de hora. Mas, aos poucos, o organismo foi se acostumando.

Hoje faz um mês cheguei, mas parece que já passou muito tempo, isto porque tudo é diferente, todos os dias aparecem novidades e tudo é complexo para explicar sem, ao menos, compreender os costumes básicos do povo.

O que mais me chama a atenção é o transito; algo que só filmando para explicar. Nas praças (feiras) as mulheres com as crianças nas costas, vendendo de tudo um pouco, também é algo bem pitoresco. Para elas é a coisa mais normal, mas para mim é bem marcante.

Nesse tempo de conhecimento da realidade fico atenta a tudo o que posso. Nas primeiras semanas acompanhei algumas irmãs em diversos lugares. Participei de um encontro de análise sociopolítica de Angola dos últimos 30 anos; estive em diversas localidades da grande Luanda, como Terra Vermelha, Santa Madalena. Ajudei também na campanha de vacinação contra o tétano.

Onde vivo fica mais próximo ao centro de Luanda, mas percebo a necessidade de trabalhar mais na periferia, pois é lá que vivem as pessoas mais fragilizadas. Por enquanto, estou me propondo a ajudar na alfabetação em Cazenga, como facilitadora dos alunos que não conseguem aprender. E também um dia por semana na Escola Santa Madalena. 

Tenho planos de formar um grupo de teatro com a participação dos adolescentes que vivem nas redondezas, trabalhando vários aspectos do cotidiano, com enfoque na valorização de cada um e da comunidade. Há outras possibilidades mil, principalmente na área que pretendo atuar (inclusão social por meio da educação), pois é um bairro de refugiados de guerra, onde as pessoas ainda sofrem muito. As irmãs já realizam trabalhos lindos, mas há sempre muito ainda a se fazer. Não se pode agarrar tudo, mas aos poucos vamos nos unindo para fazer a diferença com esse povo. Importante é saber que Deus está sempre conosco. E é preciso saber priorizar. Nesse sentido as Irmãs estão me ajudando muito, pois tenho pressa e é preciso ir devagar; um passo de cada vez.

Já conheço alguns missionários brasileiros e voluntários também. Soube que os brasileiros são aqui a terceira maior população estrangeira. Isso é bom. Nós somos muito bem recebidos pelos angolanos. Tive até a oportunidade de conhecer os bispos de Luanda e Viana. Participei de várias missas; são belíssimas. Os cantos chegam a me emocionar. Muitas vezes são cantados nas línguas locais, as mais comuns umbundo e kimbundo.

Sou jornalista, mas também sou missionária. Não tenho certeza, mas penso que acabo de criar uma nova categoria na profissão: jornalista missionária. Como repórter quero documentar, repassar o que eu vejo, mas como missionária quero colocar a mão na massa; levar conhecimento ao povo. A missão está na minha veia e há muito a se fazer. Quando as minhas atitudes não puderem alcançar a necessidade do povo, simplesmente farei missão com o meu sorriso. Em meio a tanto sofrimento, um sorriso, às vezes, é a melhor atitude. Assim penso.